Passando o Chapéu

foge da fome
dedilha as costelas
procura sons diferentes
cada um sobrevive
do jeito que pode

Eliana Pichinine

Heráclito

quando 

ele voltava

do rio

parecia

um menino


Eliana Pichinine

deixa pra lá

enquanto saio da estação do metrô 
olho em volta e vejo que sou mais uma 
peça dentro de um emaranhado cotidiano

o sino toca
o bebê chora no colo
da mãe que segura a filha 
pela outra mão 

a porta do ônibus não abre 
para os estudantes 
de escola pública 
eles chegam atrasados 
e perdem a merenda 
como prestar atenção 
nas aulas
se é a refeição do dia?

mas deixa pra lá 
a fome não existe
no Brasil!

o sinal fechado
não é impedimento 
para certos motoristas 
responsáveis por atropelamentos
e mortes

deixa pra lá 
devem estar segurando 
o celular e curtindo 
a foto de campanha 
sobre conscientização 
de trânsito 

a reforma da previdência 
é aprovada 
e o fim da  aposentadoria 
é festejado

deixa pra lá 
teremos saúde
bons salários 
habitação digna
vagas de emprego
para todas
as faixas etárias 

“sorria:  você está  no" Brasil

dizem que o brasileiro é um povo contente
é só não olhar os índices de suicídio
e o aumento nas vendas  de antidepressivos 

ligo a tv e mais uma notícia: feminicídio
mas pra que se preocupar? 
só por que em algum lugar
tem sempre um homem   matando uma mulher? 

também não existe homofobia e nem racismo, não é mesmo?
não há motivo para receio.... 



deixa pra lá....(?)

Eliana Pichinine 

                        olho no olho 

                        tête-à-tête

                        espelho:

                        encontro
                        às cegas?

                    Eliana Pichinine 

arremessou
 palavras

acertou
a
cesta?

Eliana Pichinine

rua

 

                       sem camisa

                       sem calçado 

                       e  sem repelente 

                      espanta os mosquitos

                      que sugam as feridas

                  

           com short da "NIKE"

           vasculha o lixo

           com sorte

           encontrará migalhas

           com fome 

                         nada é descartável

                                    Eliana Pichinine 

por dentro

 

                    

                        

                       
                        apagava 

                        incêndios

                        não acendia

                        a chama

                     
                           Eliana Pichinine 

Aquarela

quando acordar
que seja com 
alma 

nuvens no pé
e laços no coração 


se não puder
ainda assim
a  paleta
de cores

deixa
rastros
para o dia 
seguinte ...


Eliana Pichinine 

ALVO

pelas costas

um tiro

quem retira

o sangue 

da perda?

Eliana Pichinine

Esperança (apesar dos Tempos difíceis

aqui dentro 

as palavras 

me tocam

e parecem 

adormecidas

o silêncio 

da retina 

vasculha

o que ainda parece 

estar vivo 

neste mundo

de aparências 

realmente 

não está tudo bem 

e nem é discurso pessimista 

é constatação 

mas se não mergulhar 

o coração numa piscina

de estrelas de vez em quando

como aguentar a desigualdade 

escaldante que disseca a pele

de cada dia? 

cheiro a flor 

sem arrancar 

do jardim

e faço dela 

um verso 

enquanto 

houver

raiz talvez

o mundo 

resista 

Eliana Pichinine 

Até quando?

um dia após o outro
sempre tentava agradar


queria
mas não dançava
nas festas
porque ele
“pedia”

um dia após o outro
sempre tentava agradar

deixava de sair
pra ficar em casa com o seu “amor”

um dia após o  outro
sempre tentava agradar

maquiava o hematoma
da semana
e mais  uma vez apostava
na mudança de atitude
do parceiro

buscava carinho
recebia ironias
entregava o coração
e sem perceber
rastejava ...

até que um dia
não teve mais tempo
de acordar

no meio da noite
ele chegou

e com a desculpa de que
estava nervoso
ceifou a vida daquela mulher

será que um dia ela
conseguiria conquistar a autoestima?

a moça não está mais por aqui
nunca saberemos

até quando
isso acontecerá?

Eliana Pichinine 

Dardos

aquele olhar

estancou a dor

de corações 

quebradiços

Eliana Pichinine 

meditação

pego o sopro do agora

e mergulho no infinito

deste momento


Eliana Pichinine

permeável

colocou pedaços de gelo

dentro da bolsa

tentava esparramar

a tristeza

que morava em sua mente

o dia estava ensolarado

a bolsa

era permeável

encontrou um jeito

de libertar as lágrimas

o gelo?

derreteu

a moça?

não sei dizer

Eliana Pichinine

Feminicídio

 

espanca 

sorrisos

instala 

sepulcros

destrói 

horizontes

atira 

dores

no corpo

e n'alma 

 

Eliana Pichinine 

Dudu

saudade

é coisa

de dentro

coisa que

mora

(nas

vísceras

d`alma) Eliana Pichinine

água-viva

 

enquanto observa
desperta
sonhos esquecidos
no rol das escolhas

enquanto sente 
resgata 
sons viscerais
d'alma 

enquanto dorme
revê planos 
e sonos adulterados pela insônia 

enquanto esgarça ilusões
desiste de pedaços descabidos 
e conquista a margem do riso


Eliana Pichinine